Curtir a vida?
O que é curtir a vida para você? Fala-se tanto no famoso “Carpe diem” nos dias de hoje, não é? E quando se tem um câncer, então, todo mundo sai perguntando se agora você aproveita mais a vida, se vive cada dia como se fosse o último… Quando escrevi meu post sobre julgamento já estava pensando nesse aqui. O feriadão da semana passada foi de muita reflexão aqui em casa! Além de termos ficado muito tempo só nós (Marcelo, eu e Marianinha), acabei de completar 3 anos sem quimioterapia e estou numa fase complicada com uma bebê de 7 meses em casa, quando muita gente se sente no direito de dar “opiniões”, muitas vezes na melhor das intenções, mas sem levar em consideração e respeitar o fato que as pessoas são diferentes, tem anseios diferentes, sonhos de vida diferentes, desejos diferentes, maridos e esposas diferentes etc. Quando falo “as pessoas” estou incluindo pediatras, médicos, doulas, amigos, parentes, livros, sites, revistas… tudo. Acredito que toda mãe já tenha se sentido como eu me senti algumas vezes esses dias: esmagada no meio de tanta informação e cobranças de “faça assim não faça assado”, ou levada ao limite como aquela corda que cada um puxa para um lado e que uma hora parece que vai estourar, sabe?
Além das cobranças normais de uma mãe, o mundo de hoje cobra demais: faça o que você ama, aproveite a vida, viaje, faça amigos etc etc etc. E aí é que vem minha pergunta novamente: o que é curtir a vida para você?
É correto dizer que uma pessoa não curte a vida porque ela prefere ficar em casa jogando video game no final de semana ao invés de ir para a balada? Aí são algumas variáveis… Primeiro, muitas vezes quem diz isso não tem nada a ver com isso, certo? Segundo, se a pessoa não sai porque tem medo, vergonha, inseguranças etc, realmente pode ser que estivesse curtindo mais a vida se tratasse as causas do seu comportamento mais “isolado”. Mas já pararam para pensar que talvez a pessoa GOSTE mais de ficar em casa? Porque todo mundo tem que gostar de sair todo fim de semana? Porque ficar em casa jogando video game necessariamente é errado? Estou dando só um exemplo, aqui em casa nem temos video game – é só a título de demonstração mesmo kkk…
Estava vendo aquele canal Off que mostra esportes radicais e que virou febre. As imagens são lindas, as pessoas são jovens e bonitas, eles mostram diversos lugares do mundo, estimulando justamente que as pessoas viajem, pratiquem esportes radicais etc. Na propaganda, ouvi a seguinte frase: pratique sua paixão. Estava com a Marianinha no colo, com o Marcelo sentado ao meu lado. E disse: “amor, sabe o que é minha paixão? Isso aqui. Estar em casa com você, com a nossa nenê no colo, curtindo o feriado, assistindo uma tevezinha…” Claro que não pretendo ficar a minha vida inteira dentro de casa assistindo TV, mas porque cargas d’água o mundo hoje condena quem não está viajando, fazendo amigos, indo para festas e baladas, vivendo a vida loucamente como se cada dia fosse o último? Porque algumas pessoas acham que depois que tiverem filhos não vão mais poder “curtir a vida”? Veja bem: quem considera que curtir a vida é fazer o que quer na hora que quer, que curta a vida dessa maneira e ninguém tem nada com isso. Mas e quem sempre quis ter filhos, por exemplo? Não pode achar que está curtindo a vida mais do que nunca ao ficar em casa num sábado à noite assistindo ao soninho do seu bebê, mesmo que ele esteja agitado pra caramba e tenha levado quase uma hora para acontecer? kkkk…
Quando eu tive câncer lidei muito bem com o fato de não poder ir a um monte de festas e ter que cancelar viagens e trabalhos…Não acho que preciso de nada disso para ser feliz. Adoro quando posso ir, não me entendam mal. Adoro ir a festas, adoro viajar, adoro trabalhar. Mas não PRECISO ter tudo isso ao mesmo tempo e o tempo todo para ser feliz. Acredito que a felicidade é muito maior do que tudo isso, ela está dentro de nós. Precisamos aprender a colocar as coisas em perspectiva: durante o meu tratamento contra o câncer não vou poder ir a baladas. Depois que o tratamento terminar, volto a ir. Durante os primeiros meses do meu bebê vai ser mais difícil sair de casa, ir a festas e viajar como viajava antes. Quando ele crescer um pouquinho, tudo fica mais fácil de novo. Não, nunca mais será igual mas… quem disse que seria? Isso significa que você não vai mais curtir a vida? Para algumas pessoas sim – por favor, não tenham filhos. Hoje isso é perfeitamente aceitável. Para outras pessoas, porém, ter filhos É curtir a vida. É o meu caso. Não estou dizendo que seja fácil, que não tenha momentos de exaustão, de angústia, de irritação. Não estou dizendo que não tenha vezes em que fico triste por não poder comparecer ou ter comparecido a determinados eventos, claro que fico. Mas coloco as coisas em perspectiva e não trocaria isso por nada. Afinal, ser mãe não é uma obrigação, é uma escolha (outro dia vi essa frase em algum lugar seguida por: algumas pessoas precisam se lembrar disso – rsrsrsr – concordo).
O mundo hoje fala tanto em respeitar as diferenças, mas falta bastante para isso acontecer. Isso tem muito a ver com julgamento e por isso quando eu escrevi sobre ele já estava pensando nesse texto. Para algumas pessoas, ir a festas é vida. Essas pessoas normalmente são promoters,socialites ou mesmo só pessoas que vão muito a festas. Legal. Outras pessoas preferem ficar em casa. Legal. Um não tem que criticar o outro, concordam? Isso é respeitar as diferenças. Fala-se tanto em respeitar o deficiente, o homossexual, os mais velhos… mas tem coisas bem mais banais que precisam ser respeitadas também, com a mesma intensidade.
Vamos “pensar fora da caixa” – é importante as pessoas refletirem para se tornarem pessoas melhores. Outro dia ouvi que pessoas que gostam de animais são seres humanos muito melhores do que aqueles que não gostam. Foi uma pessoa muito influente da TV Globo que disse isso. Será que isso é verdade? Claro que não estou falando daquelas aberrações que MALTRATAM os animais, tá? Claro que isso demonstra um problema de caráter. Mas uma pessoa que ama cachorros é melhor que uma que não liga tanto para eles, tem medo ou simplesmente gosta, mas prefere não ter? Por que temos que respeitar quem escolhe não ter filhos mas não quem escolhe não ter cachorros? Voltamos ao ponto: existem diferenças bem básicas que precisam voltar a ser respeitadas. Já vi muita gente que ama animais e que diz que cachorros são muito melhores do que gente. Existe gente má e que faz coisas horríveis? Existe. Mas também existem pessoas maravilhosas que fazem o bem a milhares de pessoas. É justo generalizar que “bicho é melhor que gente”? Não acho. Claro que é mais fácil lidar com os animais, eles não frustram a gente, não emitem opiniões divergentes, não nos criticam, não nos condenam, estão sempre felizes quando nos vêem. Já vi gente que ama os animais e odeia as pessoas. “Que vantagem Maria leva?” De novo, o que é curtir a vida para você é uma questão muito abrangente. Para algumas pessoas é ter 15 cachorros na sua casa. Para outras, é não ter filhos, não ter cachorro e viver viajando. E… o que seria do verde se todos gostassem do amarelo, não é? De novo, fala-se tanto em respeitar as “grandes” diferenças (veja que usei entre aspas, ok?), mas muitas vezes não se respeitam diferenças muito mais básicas.
Ah… viajar… outro tópico. Já vi gente que adora viajar, mas já vi gente que encontra nas viagens a fuga para a sua vida que, de alguma maneira, é insatisfatória. Já vi gente que viaja porque prefere não ter que lidar com a vida que tem quando não está viajando. Será que isso é curtir a vida? Quem olha de fora pelo facebook e instagram pensa que o fulano tá curtindo a vida adoidado, né? Como digo sempre, refletir faz bem. Nem sempre as coisas são como parecem, nem sempre o que faz você feliz me faz feliz, nem sempre o que você faz com o seu marido dá certo com o meu e assim por diante. Viver a vida sem pensar nessas questões nos leva a sermos pessoas que julgam com mais freqüência, certo? E julgar drena nossas energias. Para não julgar, precisamos entender que o que faz uma pessoa feliz não é o mesmo que faz a outra – e não existe nada de errado nisso.
Vamos respeitar as diferenças, sejam elas grandes ou pequenas.
Carpe diem é aproveitar o momento, e a vida é feita de momentos. Mas como essa expressão é exaustivamente usada no meio publicitário, para vender alguma coisa, associou-se essa expressão a curtir momentos “incríveis”, sair, viajar, badalar, comprar… Curtir o momento também significa curtir a fase em que seu bebê é só um bebê, porque ela passa rápido. E mesmo se você deixar de fazer umas viagens ou ir a algumas festas e restaurantes, você está curtindo um outro momento. Curtir o momento também significa aproveitar aquele momento em que você está com o pé quebrado ou com qualquer doença para para ler mais, ficar mais com a sua família e pensar na vida. Esses também são momentos RICOS e temos que curtir todos eles, não só os das propagandas.
“O Deus que está em mim também está em você” – somos um! – vamos lembrar mais vezes disso.
Namastê.
Cleusa Maria Maesta Prado
15 de junho de 2015 @ 13:28
Perfeito, Heloisa. Voce falou com muita propriedade. Concordo plenamente. Nao é porque a gente passou por uma situaçao critica ( eu tambem tive um linfoma no mesmo periodo que voce) que temos que mudar radicalmente nosso modo de ser. Temos sim, de continuar a fazer aquilo que nos deixa feliz. Grande beijo a voce e a sua princesinha Mariana.
Tuiza
15 de junho de 2015 @ 15:14
Gosto de suas reflexões, Helô, apesar de não comentá-las com frequência. Lembrei-me de quando tive meu primeiro filho e as pessoas queriam ajudar dando conselhos os mais diversos. Decidi ouvir o pediatra e seguir sua orientação. No entanto, alguns comentários e relatos de experiência de algumas pessoas foram muito úteis.
Então, vai aqui o meu “conselho”: continue a curtir cada momento, mesmos os mais estressantes 🙂 , observe sua filhinha, suas reações, seu corpinho, seu desenvolvimento, ela passará pela atual fase apenas uma vez! E, como vc já sabe, essa primeira etapa é única, como todas as outras.
Um grande abraço e felicidades para vocês três. Beijinhos
Cristina Sakiama
15 de junho de 2015 @ 23:26
Texto excelente ! Estou com câncer e curto a vida da minha maneira e dentro dos meus limites, as pessoas em geral julgam demais mas ainda bem que Deus coloca algumas pessoas especiais em nosso caminho !
Convivo com amigas que tem filhos e sofrem os mesmo julgamentos que você citou , é complicado mas cabe a cada curtir seu momento e sua vida , julgamentos existiram SEMPRE justamente porque as pessoas são DIFERENTES
Beijos
Patricia
16 de junho de 2015 @ 00:09
Oi Helo
Estava pensando sobre isso essa semana, resolvi voltar para o meu trabalho em uma empresa pública no momento que vencia minha licença quando muitos pensaram que eu não voltaria mais. No começo eu também pensei. Achei que deveria “viver” a vida. É aí me dei conta que minha vida voltar ao normal trabalho, correria com os filhos isso sim era viver a vida! Ficar em casa comendo pipoca no sofá com meus filhotes e marido é viver a vida até hoje ( amamos ficar em casa) e agora que meu caçula está com 8 anos decidimos pegar um cinema pelo menos uma vez por mês para “viver a vida” de um jeito diferente só pra variar …rs É isso, cada um sabe o que traz felicidade, mesmo que seja naquele momento e em outro seja totalmente diferente! A Marianinha está linda! E você também! Continue curtindo cada minutinho! Suuuper beijo!
Annie Bortolin
16 de junho de 2015 @ 16:41
Oi Helo, é isso mesmo , também passo muito por esses julgamentos,tenho uma filha pequena e minha família me julga muito , pois eu e meu marido não gostamos de sair de casa,prefiramos ficar com ela, ou leva -la junto , porem não é todo lugar que podemos leva-la pelo simples fato que vai estar frio ou não ser tão apropriado para criança, mas sou muito critica por causa disso,escuto muito: “Nossa tinha um bebezinho tão pequeno em tal lugar”, penso, o que eu tenho haver com isso, se os pais dele não pensam ligam quem sou eu para julgar ou ligar, minha filha não vai e ponto final….Um dia ela vai crescer e eu e meu marido vamos poder voltar a passear ou leva-la junto, tudo ao seu tempo…são escolhas , como você mesmo diz..escolhemos ser pais e agora temos que aceitar e aproveitar isso. Um beijo no seu coração, você é uma vencedora.
Talita Rodrigues
16 de junho de 2015 @ 22:16
Heloisa, é uma ótima reflexão a ser feita (bem como o texto anterior sobre julgar)!!! É importante sempre termos em mente que somos todos pessoas singulares- ainda bem rs – e que vivemos de maneiras diferente, temos objetivos diferentes, valores diferentes, felicidades diferentes.. e que o respeito pelo outro tem que vir acima de tudo! Parabéns pelo texto! beijos