O que dizer, então?
Depois do meu post “Desabafo Master” (http://heloisaorsolini.com/?p=2153), algumas pessoas “corajosas” kkkk perguntaram: o que a gente deve dizer, então? E sei que muita gente ficou com essa dúvida. Quando eu estava em tratamento, li um post de uma paciente de câncer parecido com o meu desabafo master e pensei a mesma coisa; “ué, o que restou para as pessoas dizerem?” porque, no caso dela, até “estou rezando por você” incomodava. No meu caso, eu gosto que digam isso. O caso é que eu já disse aqui que quando eu estava em tratamento não me incomodava com nada, mas comecei a me incomodar com a questão da incerteza sobre se poderia ou não ter filhos (já que 4 médicos me disseram que isso seria praticamente impossível pelos os meus exames) e com a questão do cabelo.
Deixa eu me explicar melhor: a questão do cabelo começou a me incomodar porque às vezes eu colocava uma foto no Facebook, por exemplo, de quando eu tinha cabelo comprido. Eu não colocava a foto por isso e não fazia nenhuma menção ao cabelo. Mas as pessoas, invariavelmente, começavam a comentar sobre ele e, também invariavelmente, surgia o comentário que cabelo era o de menos. Eu nem estava falando disso, nem estava reclamando, nem tinha colocado a foto por esse motivo, mas sempre surgia um “cabelo é o de menos”. E eu achei importante me posicionar porque sei que a maioria das mulheres que fica careca por causa de um câncer se irrita com esses comentários, tanto que eu recebi muitos comentários de apoio, de mulheres se sentindo “de alma lavada” e até que enfim compreendidas e representadas! O mais estranho é que esses comentários muitas vezes vem de pessoas que passaram pela mesma coisa, e eu entendo que seja porque elas estão tão felizes por estarem vivas que fazem essa consideração. Como eu escrevi no Desabafo, eu também estou feliz em estar viva, mas acho que não se pode colocar um peso desses nas costas de quem já teve qualquer problema grave de saúde. A pessoa continua viva a e vida é como ela é, tem dias que estamos felizes e dias que nem tanto, dias em que temos problemas e vontade de reclamar e – aí vem o motivo desse post – receber carinho.
Sobre a questão da fertilidade, prometo voltar ao assunto mais para frente, em outros posts. Esse post é para responder a pergunta que ficou: o que devemos dizer, então? Falei brevemente sobre isso em um post anterior, bem antigo, “O Poder da Presença”, onde citei: “Uma doença séria pode ser uma jornada terrivelmente solitária. Quando um perigo paira sobre um bando de macacos, desencadeando sua ansiedade, seu reflexo é colarem-se uns aos outros e catar-se mutuamente as pulgas, de modo febril. Não reduz o perigo, mas reduz a solidão. Nossos valores ocidentais, com seu culto de resultados concretos, muitas vezes nos fazem perder de vista a necessidade profunda, animal, de uma simples presença em face do perigo e da incerteza. A presença doce, constante, segura, é com frequência o mais belo presente que os próximos podem nos dar, mas poucos deles sabem seu valor” – trecho tirado do Anticâncer, de David Servan-Schreiber. Resumindo: queremos receber carinho e saber que não estamos sozinhos.
Muita gente não pode imaginar o poder que uma “simples” PRESENÇA pode ter. Não estou dizendo que você precisa ficar o dia inteiro do lado da pessoa, não. Estou dizendo que simplesmente parar e se colocar no lugar do outro, abrindo seu coração para simplesmente entender a sua dor e mostrar que você o compreende e está torcendo por ele, ao invés de tentar “fugir mais rápido” dos problemas com algum comentário que “corte a linha de reclamações”, tem um poder imensurável. Já repararam que muitas vezes os comentários que citei (como “isso é o de menos”, “Deus que quis assim”, “você pode adotar” etc) nada mais são do que fugas? A pessoa não sabe como lidar com o sofrimento do outro e, por isso, faz esses comentários que teoricamente “cortam o mal pela raíz”. O “ouvinte” não tem o que argumentar e não lhe resta nada a não ser ficar quieto (e com raiva rsrsrsr…). Como você diz, por exemplo, para alguém que acabou de perder um ente querido que “Deus quis assim”? Ninguém está com vontade de ouvir isso nessa hora! Desnecessário. Depois do meu post, falei com várias mulheres que perderam filhos (!) e ouviram inúmeras vezes (!!!) que poderiam ter outros, que tinham que ser fortes e que Deus quis assim. Vamos nos colocar no lugar dessas mulheres: você acha que essas coisas melhoram o sofrimento delas? Ou geram um sentimento profundo de incompreensão e solidão? Elas se sentem sozinhas e incompreendidas diante da dor imensa que sentem. Mas, diante desses comentários, claro, ficam quietas (e com raiva). Vou repetir ainda mais uma vez: eu SEI que a gente (me incluo nessa) não sabe o que dizer diante do sofrimento alheio e que as coisas que dizemos normalmente são com a melhor das intenções. Justamente por isso eu escrevo esse post, como uma tentativa de alerta e crescimento para todos nós, inclusive eu. Eu também não sei o que dizer diante do sofrimento de muita gente, tenho essa consciência.
O que poderíamos dizer, então? Ou fazer? Uma coisa é simplesmente se mostrar mais presente, convidando para fazer alguma coisa junto, fazendo uma visita, fazendo alguma coisa que você saiba que a pessoa gosta (exemplo: um bolo, levar uma flor, assistir a um filme…). Simplesmente mostrar, através de ações, que ESTÁ PRESENTE. Sobre dizer, na minha opinião, o que pode ser dito é: “Querida(o), posso imaginar o que você esteja passando e sentindo nesse momento. Sei que está sofrendo e nada do que eu possa dizer vai mudar a sua situação. Mas eu quero que saiba que estou aqui para você, pensando em você, torcendo por você e querendo seu bem. Vou ficar muito feliz em poder ajudar no que puder, se tiver qualquer coisa que eu possa fazer você vai me deixar muito feliz em me pedir!”. Ponto. Nem é preciso dizer tudo isso, afinal, se a pessoa não for muito próxima isso pode soar estranho. Mas esse é o sentimento que eu acho que devemos ter diante de pessoas passando por problemas.
Escrevendo esse post eu me lembrei de uma pessoa que faz isso com maestria, acho que aprendi muito com ela e seria injusto não “dar as honras” neste momento: minha mãe. Ela nunca minimizou nosso sofrimento pelo que quer que seja. Sempre se mostrou empática, se colocando no nosso lugar e dizendo coisas do tipo: “Eu sei que é difícil. Você tem razão de estar triste. O que eu posso fazer por você?”. Parece simples, não? O problema é que isso significa estar abrindo o coração para se mostrar totalmente presente e disponível, algo que nem todos estão dispostos ou podem fazer. Lembro que uma vez, durante o tratamento, eu fiquei de mau humor e dei uma resposta atravessada para ela. A resposta dela foi: “você tem toda razão de ficar de mau humor, aproveita para descontar em mim que sou sua mãe”. Mas ela falou isso de verdade, realmente querendo dizer isso! É lógico que me desarmou totalmente e eu pedi desculpas e não fiquei descontando nela, mas ela estava disposta a estar lá se eu precisasse, mesmo para isso! Choquei! Por isso que ela se revolta quando dizem que mãe é tudo igual… Claro que ninguém tem que viver “apanhando” dos outros, não é o que eu estou dizendo. Quem me conhece sabe que longe disso, claro que todo mundo tem que impor seus limites. Estou falando da disponibilidade em se doar nos momentos em que isso é preciso. Te amo, mã!!!
Às vezes, as pessoas não podem mostrar esse tipo de disponibilidade porque não foram programadas para aquilo, mas foram criadas para serem “práticas” e “resolverem os problemas”, mesmo que ele seja dos outros, dizendo coisas que, no fundo, significam: “ok, já reclamou, agora chega de reclamar, não sei lidar com as suas reclamações e os seus problemas, então vamos mudar de assunto”. E, de novo, eu mesma já fiz isso inúmeras vezes (tenho até vergonha agora rsrsrsrsr). Porque realmente não sabemos como lidar com o sofrimento em geral. E também tem muita gente que é competitiva, vocês sabem! E invejosa… e quer que só os seus problemas tenham importância, então como alguém ousa estar sofrendo mais que eu? Ou mais que meu conhecido/amigo/parente/vizinho sei-lá-o-quê? Tem gente que não suporta ver o sofrimento dos outros porque isso o tira da zona de conforto, mostra como seus problemas podem ser pequenos, mostra como somos/ podemos ser vulneráveis e mostra que existem outras pessoas além dela mesma no mundo. Triste, mas é verdade.
E por fim, não dá para encerrar esse post mostrando um pouco o outro lado! O do sofredor-problema. Aquele que esquece que existe mundo e acha que os seus problemas são os únicos que tem importância, que ele é o único no mundo com motivos para sofrer. Tem aquelas pessoas que são sofredoras compulsivas e sofrem por tudo na vida, passam o dia e a vida a reclamar. Claro que essas dicas que eu estou dando não valem para essas, ok? Aí é outro caso. Vamos abrir o coração e ter equilíbrio, saber que tem hora de sofrer, hora de apoiar, hora de sorrir e hora de levar o sorriso ao próximo. Um por todos e todos por um, como deveríamos ser como irmãos que somos.
Namastê!
patricia faria
16 de abril de 2014 @ 17:44
ótimo!!!!!!!!! como sempre ,menina linda…
Maria Thelma O Orsolini
16 de abril de 2014 @ 19:16
Querida filha, passaria por tudo o que vc passou no seu lugar, voce bem sabe disso. Acho mesmo que se alguem esta sofrendo,o minimo que podemos fazer é OUVIR e isso quer dizer abrir o coraçâo para o outro.
Se eu pude aliviar um pouquinho o seu sofrimento,agradeço a Deus por isso. Te amo muito.
Heloisa Orsolini
17 de abril de 2014 @ 13:15
Meninas, obrigada pelos comentários! Muitos eu respondo por e-mail, mas estes vou responder aqui mesmo…
Mã, não queria que você tivesse passado por nada no meu lugar!!!!! Eu que agradeço por vc ser minha mãe, te amo!
Carol: impressionante. Acho que os piores comentários são para pessoas que não podem ter filhos ou perderam bebês. Terríveis!!!! Uma simples presença seria bem mais interessante…
Lelê: que delícia ter uma mãe assim, né? Bênção… a minha mãe também nunca chorou na minha frente, não sei de onde ela tirava forças! Os médicos elogiaram muito ela! E foi fundamental para mim, com certeza.
Bjsss
Carol
16 de abril de 2014 @ 19:35
Helô, seus posts são realmente incríveis! Você consegue expressar seus sentimentos com uma clareza única! Nós conseguimos entender sua dor e, com suas palavras, entender tb a nossa! Eu passei por um aborto espontâneo no ano passado e senti uma dor imensa por isso! Mas as pessoas que nos cercam, muitas vezes, não sabem lidar com nosso sofrimento e sempre “mandam” um: “você pode tentar de novo daqui um tempinho”, “Deus sabe o que faz” e por aí vai!!! E você tem razão: nestas horas nós não queremos ouvir isso!!!! A dor é muito grande e nós só queremos ser compreendidas!! Cada um sabe a dor que carrega consigo – bem como suas alegrias – mas tem momentos em que não queremos ouvir o que, no fundo, já sabemos; só queremos um “uta” apertado para termos a sensação – e a certeza – de não estarmos sozinhas (queremos alguém para catar nossos piolhos, poxa vida!!!!! rsrsrsrsrs)!! Há algum tempo eu vinha me sentindo meio “revoltada” com estas pessoas mas, agora, ao ler suas palavras, consigo ver que, em muitos casos, não há maldade; é só uma forma destas pessoas tentarem ajudar!! É claro que tem algumas que parecem se fortalecer com nosso sofrimento mas, felizmente, são a incrível minoria!!! 😉
Você mais uma vez, mesmo sem saber, me ajudou a ver algumas coisas com mais clareza! Obrigada!! :***
Lelê
17 de abril de 2014 @ 07:25
Helô, já tinha lido o post da “reclamação” e me identifico demais. Também carrego essas duas dores no peito: do cabelo, que não nego a ninguém que foi o que mais me fez sofrer(pior que qualquer enjoo, medicação ou seja lá o que for)e o medo de não poder ter filhos, meu tratamento não era esterilizante, ainda assim fiz uso do zoladex, mas meus ovários estão pequenininhos e produção bem baixa, minha menstruação tava normal, mas de uns meses para cá parou totalmente. Terminei meu tratamento em dez/12 e desde lá já observava o crescimento do teu cabelo e dizia que em 3 meses o meu estaria daquele jeito. Você era o meu espelho do futuro! hehehehe Minha mãe dizia exatamente a mesma coisa que a sua: “pode ser grossa comigo”, e acho que fui menos educada, pois algumas vezes sinto que sai da linha, pois tinha que tá sorrindo para todo mundo e com ela eu podia ser quem eu era realmente naquele momento. Também já escutei dela que “daria tudo para ter passado por isso no seu lugar”. E apesar dela ser chorona, nunca a vi chorar durante todo o meu tratamento(ela me confessou que quando via que não iria aguentar corria para chorar na igreja mais próxima). Para mim ela se mostrava sempre rezando e dizendo ter certeza da minha cura. Amor de mãe que gostaria muito de sentir um dia… Enfim, post longo de quem te acompanha há tempos e nunca falou o quanto você ajuda/ajudou e que se identifica muito com seus sentimentos e angustias. Obrigada!
Marcela
18 de abril de 2014 @ 02:19
Helô, acompanho vc desde que meu noivo teve um câncer, curado já graças a Deus.
Na semana passada ouvi de uma tia minha ” que sina né” , “ainda se pode ter esperança?” e ” vc ainda está com ele?”. Na hora fiquei sem reação e desatei chorar.
Muito bom ler seu desabafo! Obrigada!
Nana
18 de abril de 2014 @ 15:22
De fato, a situação toda e bem delicada para quem está dentro e fora da doença; nunca vai ser um tema fácil de lidar.
Bj e fk c Deus.
Nana
http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br/
Cintia A.S.Sevaux
23 de abril de 2014 @ 01:05
Excelente texto, Helô… que complementa o anterior “Desabafo Master”… Acho que a maioria das pessoas que passam por uma crise ou sofrimento, espera se sentir acolhido por alguém que esteja ao seu lado, sem verdades absolutas, sem julgamentos…A nossa dor diminui quando cuidamos da dor alheia, isso é um fato, e ter alguém com quem contar num momento assim não tem preço…
Daniela
30 de abril de 2014 @ 20:09
Vim aqui pra lhe pedir desculpas Helô. Eu fui uma dessas pessoas que falaram de cabelo e que na verdade nem sabe lidar com esse assunto. Me desculpa se te magoei ou ofendi, fiquei muito mal quando vi seu desabafo, me senti culpada, nao foi por querer 🙁
Lorena
2 de setembro de 2014 @ 03:57
Simplesmente maravilhoso o seu texto…